domingo, 6 de julho de 2008

Onde os fracos não têm vez


ONDE OS FRACOS NÃO TÊM VEZ (No country for old men), Joel e Ethan Coen


Um misto da tranqüilidade dos ranchos texanos com uma narração que é, acima de tudo, fria, engole a trama de Onde os fracos não têm vez e entregam ao expectador uma ópera silenciosa, que fala sobre como o mundo está, definitivamente, acabando.

Anton Chigurh é o primeiro personagem a ser apresentado, aparecendo logo no começo sendo escoltado por um patrulheiro até a delegacia. Algo na atitude dele denuncia que ele não foi simplesmente preso, porque como a gente ia ver mais pra frente, o cara é simplesmente inatingível. Talvez ela se deixado capturar, só pra ver como é que é. Na delegacia, tédio, Chigurh se cansa, enforca o patrulheiro, acaba cortando os pulsos nessa brincadeira, mas nenhum gemido, nenhuma expressão, ele simplesmente pega sua arma, que agora é clássica, e vai embora.

Moss é apresentado em seguida. Ele é talvez alguma coisa, mas no momento estava só se dedicando à caça, sem muito sucesso. Numa seqüência que é de arrepiar, só pela forma como os Irmãos a conduzem, Moss atira num animal, erra, vê um cachorro ferido que deixa um rastro de sangue, acaba encontrando então um cenário apocalíptico de algo que provavelmente foi uma negociação de drogas mal decidida, depois nota que está faltando um cadáver ali – já que são cinco veículos, pressupõem-se então que haja pelo menos dez pessoas – e vai a sua procura, acha, espera só pra ver se está realmente morto, confere e encontra, finalmente, uma maleta contendo dois milhões de dólares. Dois milhões de dólares. Ele pensa se leva a maleta ou não, e se decide: sua vida acabou, Moss, ele diz, e vai embora.

Se toda história tem que ter um herói, o xerife Bell faz esse papel em Onde os fracos não têm vez. Mas Bell é um herói machucado pela guerra e, acima de tudo, humano, capaz de confundir coragem com estupidez. Com o assassinato de um policial e de um homem na estrada, Bell começa a caçar o caçador, Chigurh, afim de prendê-lo antes que ele cause mais destruição. Descobre depois o mesmo cenário apocalíptico que Moss e fica com a certeza de que havia dinheiro ali, e alguém o pegou e esse alguém estava em encrenca. Então, paralelamente a sua busca por Chigurh, ele busca Moss para tentar impedi-lo de permanecer com a maleta de dois milhões de dólares.

Mas a trama de perseguição só camufla o sentido real do filme, que é de mostrar um velho, xerife Bell, tentando parar de uma forma ou de outra o assassino Chigurh, paralelamente mostrando a visão de Bell sobre a vida, como naqueles sete minutos em que Bell conversa com um antigo amigo, numa seqüência que é anti climática, mas é repleta de significados. Enquanto é caçado por Bell, Chigurh, que é incompreensível, horripilante, imbatível e absurdo, simbolismo perfeito de um personagem que é a própria personificação da violência nos dias de hoje. Moss e Carla Jean, sua esposa, são cidadãos comuns que não tem absolutamente nada a ver com a negociação de drogas que deu errado e com a maleta de dois milhões de dólares, mas que deram o azar de estarem no meio dessa bagunça toda.

Onde os fracos não têm vez é, então, uma abordagem pessimista (e como não ser?) da violência urbana nos dias de hoje e, se tem cenário nos anos oitenta e em locais desolados, não é apenas por luxos visuais, mas porque tenta explicar a origem de tanta perturbação e indiferença. A qualidade do filme nem se limita ao roteiro maravilhoso que possui. A força maior dessa obra está na direção dos Irmãos Coen, que voltam ao flertar com o tom noir que os revelaram em 1986, com Gosto de Sangue (e não é à toa que o pseudônimo dos irmãos na edição é o mesmo), com boas doses de melancolia e lentidão ao longo do filme. A dupla usa também, de um modo como eu não vejo há bastante tempo, o uso da imagem para contar a história. Diálogos mesmo o filme tem pouco, mas as imagens falam pelas palavras, em cenas como Chigurh conferindo as solas das botas, por exemplo. O fator mais comentado, provavelmente, o som, é tão arrebatador quanto o vilão da trama. O telefone tocando ao fundo, os apitos do transponder e os tiros das armas gigantes que destroem a calmaria da cena do primeiro confronto entre Moss e Chirgurh é um bom exemplo do cuidado apuradíssimo que a equipe do filme teve nessa área.

A história de Onde os fracos não têm vez em uma frase por personagem (spoilers)

Moss acha a maleta por acidente, descobre que já têm pessoas à sua procura, decide fugir, deixa Carla Jean com a mãe, vai para Del Rio, se hospeda em um hotel, guarda a maleta no duto de ventilação, sai por um tempo, volta à noite, descobre por causa da cortina entreaberta que há alguém no seu quarto à sua espera, pega então outro quarto, compra uma arma, pega a maleta no duto de ventilação, vai para outro hotel e lá enfrenta Chigurh, se fere mas consegue escapar, vai parar num hospital, conversa com o homem que foi contratado para matar Chigurh, vai para El Paso esperar por Carla Jean e é assassinado.

Chigurh é preso, mata um policial pra sair da prisão, se encontra com dois comparsas, eles lhe dão o transponder, ele os mata, depois vai para a casa de Moss, deduz pela sua conta de telefone que ele está em Odessa ou Del Rio, ele vai para Del Rio e anda pela cidade até o transponder dar sinal próximo a um hotel, ele entra então no quarto de Moss, três mexicanos estão lá, ele os mata mas não acha o dinheiro porque ele foi retirado antes do duto de ventilação, segue mais uma vez o transponder, enfrente Moss mas é ferido, se trata, vai para El Paso onde Moss foi assassinado, abre o duto de ventilação, encontra a maleta, vai atrás de Carla Jean, a mata e depois vai embora.

Bell investiga o policial morto por Chigurh, se envolve na chacina do deserto, descobre que Moss pegou o dinheiro da negociação frustrada, vai atrás de Moss para livrá-lo do perigo, o encontra morto no hotel assassinado pelos mexicanos, volta ao hotel à noite enquanto Chigurh está lá, não encontra nada, vai a casa de seu conhecido, se aposenta, sonha e conta o sonho pra Loretta.