quarta-feira, 12 de agosto de 2009

Matou a família e foi ao cinema


MATOU A FAMÍLIA E FOI AO CINEMA, Julio Bressane

No conturbado cenário do regime militar de 1969, se destaca no cinema nacional essa obra peculiar do Julio Bressane, um dos cineastas que contribuir grandemente para o movimento do cinema marginal dos anos 60 e 70 no Brasil.

Musical com canções que vão de Roberto Carlos até Carmen Miranda, o filme pode passar a impressão de ser fundamentalmente aleatório, porém, há uma linearidade evidente, não cronológica-temporal, mas narrativa, que interliga todos os crimes e acontecimentos uns aos outros através do condutor político do Brasil de 69. Não é de se espantar que os sentimentos dos personagens estejam tão à flor-da-pele. A pertubação se esconda nas sombras das imagens, exercendo pressão psicológica tal que filho mata pai, pai mata filho e, longe de casa, há alguém sendo torturado, dando sua contribuição para o horror da ditadura.

Inteligente, precário e sensacional em seu humor ácido e verdadeiro, na sua metalinguagem desconfortante e nas suas imagens cruas e vitais, Matou a família e foi ao cinema é clássico marginal repleto de ironia, revolta e violência, um dos grandes filmes protagonizados por nossa terra.

quinta-feira, 6 de agosto de 2009

Olho por olho


OLHO POR OLHO, Andrea Tonacci

Olho por olho, curta de Andre Tonacci, fala sobre o sentimento de impotência relativo a pessoas comuns diante de um cenário social sufocante. Um grupo de amigos andam de carro pelas ruas de São Paulo à procura de alguém para descarregar a revolta reprimida pelo sistema. Esse sistema bate nos garotos, eles batem (da maneira que podem, tornando-se meliantes) no sistema. Olho por olho, dente por dente, enfim.

Curta-metragem com linguagem lunática, nuances de anarquia e revolução, com uma técnica impecável, profissional, mas com um espírito predominantemente marginal. Grande filme, ainda que curto, na carreira de Tonacci. Genial.


quarta-feira, 5 de agosto de 2009

A infância de Ivan


A INFÂNCIA DE IVAN (Ivano detstvo), Andrei Tarkovsky

Contratado para rodar um filme de guerra em 1962, Andrei Tarkovsky, uma das grandes lendas do cinema, faz a sua estreia em longa-metragens com A infância de Ivan Ainda que tímido, já que o filme tem pouco mais de 90 minutos de duração e não levante grandes questionamentos artísticos e filosóficos - uma das características de Tarkovsky -, a marca autoral do diretor é evidente, tanto pela beleza fotográfica quanto pelo onirismo das cenas, com impecável sincronismo com diálogos e imagens.

A estreia de Tarkovsky em longas consiste num denso e significantemente rico trabalho. Ivan é uma criança de 12 anos cuja família foi massacrada por soldados nazistas e que vive em constante busca por vingança, trabalhando como espião para o exército russo. Em meio aos horrores da guerra mais devastadora da história, Ivan cria vínculos afetivos com capitães e oficiais, em uma busca por afeto; se endurece por fora, tornando-se frio e rude em relação aos outros, mas mantendo, através de sonhos, desejos simples de comunhão, inocência e alegria, misturados com lembranças de uma época de paz.
Ao lado de Ivan, Masha, uma inocente tenente, permanece deslocada no rústico acampamento russo, onde vive supostas descobertas sexuais e comportamentais. Masha é uma espécie de reflexo de Ivan: uma figura despreparada, obrigada a lançar-se num mar de terror e malícia, que assusta, e força o mimetismo para melhor adaptação ao nocivo ambiente onde agora vivem.

A infância de Ivan deixa claro que seu diretor se destacaria cada vez mais até se consolidar como grande nome do cinema russo, evidencia a capacidade do homem em lidar com seu próprio estrago e em manter-se independente ao mundo que o cerca e, por fim, é uma cabal lição de como se narrar, filmar e fotografar um filme absolutamente irretocável nesses aspectos.


sábado, 1 de agosto de 2009

O samurai


O SAMURAI (Le samourai), Jean-Pierre Melville

O Samurai é um neo-noir francês de 1967 dirigido e escrito por Jean-Pierre Melville, adaptado do mais clássico código de conduta samura: Bushido. Na história, Alain Delon interpreta de forma genial Jef Costelo, um matador de aluguel profissional contratado para liquidar o dono de um refinado restaurante.

O trabalho de adaptação de uma obra clássica japonesa para um policial francês dos anos 60 é genial. Construido de forma sublime, Costelo é um homem contemporâneo com uma conduta de cavaleirismo quase feudal. Solitário, frio e empenhado em sua profissão. Cenas que mostram Costelo prestes a sair de casa, por exemplo, são maravilhosas, ao mostrar que o homem, mesmo morando em um flat pouco prático, pouco limpo e pouco conservado, se veste e se porta de forma irretocavelmente fina.

O desenvolvimento do caractere de Delon é igualmente magnífico: somos introduzidos a Costelo de forma repentina, e acompanhamos seus preparativos antes de realizar o crime para o qual foi contratado com uma crueza narrativa quase documental. Poucos diálogos, cenas longas e íntimas. Somos pouco a pouco conduzidos pela parcialidade sutil de Melville a repudiarmos seu personagem, ou pelo menos a não observá-lo de forma positiva, característica latente durante os minutos finais, onde Costelo segue motivado por vingança e termina por resumir sua existência em poucas palavras:

"- Por que, Jef?
- Fui pago para isso."

O mais impressionante é a redenção dada por Melville a seu samurai, no último segundo, de forma que não há redenção de fato para Costelo, mas permanece a admiração por sua honra, por seu legado.