quarta-feira, 12 de agosto de 2009

Matou a família e foi ao cinema


MATOU A FAMÍLIA E FOI AO CINEMA, Julio Bressane

No conturbado cenário do regime militar de 1969, se destaca no cinema nacional essa obra peculiar do Julio Bressane, um dos cineastas que contribuir grandemente para o movimento do cinema marginal dos anos 60 e 70 no Brasil.

Musical com canções que vão de Roberto Carlos até Carmen Miranda, o filme pode passar a impressão de ser fundamentalmente aleatório, porém, há uma linearidade evidente, não cronológica-temporal, mas narrativa, que interliga todos os crimes e acontecimentos uns aos outros através do condutor político do Brasil de 69. Não é de se espantar que os sentimentos dos personagens estejam tão à flor-da-pele. A pertubação se esconda nas sombras das imagens, exercendo pressão psicológica tal que filho mata pai, pai mata filho e, longe de casa, há alguém sendo torturado, dando sua contribuição para o horror da ditadura.

Inteligente, precário e sensacional em seu humor ácido e verdadeiro, na sua metalinguagem desconfortante e nas suas imagens cruas e vitais, Matou a família e foi ao cinema é clássico marginal repleto de ironia, revolta e violência, um dos grandes filmes protagonizados por nossa terra.

quinta-feira, 6 de agosto de 2009

Olho por olho


OLHO POR OLHO, Andrea Tonacci

Olho por olho, curta de Andre Tonacci, fala sobre o sentimento de impotência relativo a pessoas comuns diante de um cenário social sufocante. Um grupo de amigos andam de carro pelas ruas de São Paulo à procura de alguém para descarregar a revolta reprimida pelo sistema. Esse sistema bate nos garotos, eles batem (da maneira que podem, tornando-se meliantes) no sistema. Olho por olho, dente por dente, enfim.

Curta-metragem com linguagem lunática, nuances de anarquia e revolução, com uma técnica impecável, profissional, mas com um espírito predominantemente marginal. Grande filme, ainda que curto, na carreira de Tonacci. Genial.


quarta-feira, 5 de agosto de 2009

A infância de Ivan


A INFÂNCIA DE IVAN (Ivano detstvo), Andrei Tarkovsky

Contratado para rodar um filme de guerra em 1962, Andrei Tarkovsky, uma das grandes lendas do cinema, faz a sua estreia em longa-metragens com A infância de Ivan Ainda que tímido, já que o filme tem pouco mais de 90 minutos de duração e não levante grandes questionamentos artísticos e filosóficos - uma das características de Tarkovsky -, a marca autoral do diretor é evidente, tanto pela beleza fotográfica quanto pelo onirismo das cenas, com impecável sincronismo com diálogos e imagens.

A estreia de Tarkovsky em longas consiste num denso e significantemente rico trabalho. Ivan é uma criança de 12 anos cuja família foi massacrada por soldados nazistas e que vive em constante busca por vingança, trabalhando como espião para o exército russo. Em meio aos horrores da guerra mais devastadora da história, Ivan cria vínculos afetivos com capitães e oficiais, em uma busca por afeto; se endurece por fora, tornando-se frio e rude em relação aos outros, mas mantendo, através de sonhos, desejos simples de comunhão, inocência e alegria, misturados com lembranças de uma época de paz.
Ao lado de Ivan, Masha, uma inocente tenente, permanece deslocada no rústico acampamento russo, onde vive supostas descobertas sexuais e comportamentais. Masha é uma espécie de reflexo de Ivan: uma figura despreparada, obrigada a lançar-se num mar de terror e malícia, que assusta, e força o mimetismo para melhor adaptação ao nocivo ambiente onde agora vivem.

A infância de Ivan deixa claro que seu diretor se destacaria cada vez mais até se consolidar como grande nome do cinema russo, evidencia a capacidade do homem em lidar com seu próprio estrago e em manter-se independente ao mundo que o cerca e, por fim, é uma cabal lição de como se narrar, filmar e fotografar um filme absolutamente irretocável nesses aspectos.


sábado, 1 de agosto de 2009

O samurai


O SAMURAI (Le samourai), Jean-Pierre Melville

O Samurai é um neo-noir francês de 1967 dirigido e escrito por Jean-Pierre Melville, adaptado do mais clássico código de conduta samura: Bushido. Na história, Alain Delon interpreta de forma genial Jef Costelo, um matador de aluguel profissional contratado para liquidar o dono de um refinado restaurante.

O trabalho de adaptação de uma obra clássica japonesa para um policial francês dos anos 60 é genial. Construido de forma sublime, Costelo é um homem contemporâneo com uma conduta de cavaleirismo quase feudal. Solitário, frio e empenhado em sua profissão. Cenas que mostram Costelo prestes a sair de casa, por exemplo, são maravilhosas, ao mostrar que o homem, mesmo morando em um flat pouco prático, pouco limpo e pouco conservado, se veste e se porta de forma irretocavelmente fina.

O desenvolvimento do caractere de Delon é igualmente magnífico: somos introduzidos a Costelo de forma repentina, e acompanhamos seus preparativos antes de realizar o crime para o qual foi contratado com uma crueza narrativa quase documental. Poucos diálogos, cenas longas e íntimas. Somos pouco a pouco conduzidos pela parcialidade sutil de Melville a repudiarmos seu personagem, ou pelo menos a não observá-lo de forma positiva, característica latente durante os minutos finais, onde Costelo segue motivado por vingança e termina por resumir sua existência em poucas palavras:

"- Por que, Jef?
- Fui pago para isso."

O mais impressionante é a redenção dada por Melville a seu samurai, no último segundo, de forma que não há redenção de fato para Costelo, mas permanece a admiração por sua honra, por seu legado.

sexta-feira, 31 de julho de 2009

Os donos da noite


OS DONOS DA NOITE (We own the night), James Gray

Apesar de ter feito em 2000 o filme Caminho sem volta, com um grupo de atores que deixaria qualquer cineasta americano se mordendo de inveja, James Gray ainda estava oculto nas sombras do anonimato quando, em 2007, lançou aos cinemas Os donos da noite, um dos poucos filmes americanos de ação a ter destaque em Cannes.

O filme se concentra em lados aparentemente opostos de uma mesma família: Bobby trabalha para uma poderosa figura da região, um russo chamado Buzhayev, gerenciando uma boate; já seu irmão Joe, é um policial de destaque na força da LAPD. A família acomodou-se com a divisão, que existe principalmente em decorrência de Bobby não ter seguido a profissão do pai, mas será forçada a se unir em uma trama onde a polícia busca apreender um importante membro da máfia russa.

Não é preciso se prolongar muito. Esse é um filme sobre uma família danificada, obrigada a se unir em meio a uma dificuldade, mesmo que não haja, na verdade, tanta comunhão assim. O restante no filme é enfeite e permanece à sombra dessa trama maior. O filme é lindo não apenas pela tensão proporcionada por um conto policial inteligente, que se caminha para vários outros sub-gêneros, mas principalmente pela construção e desenvolvimento irretocáveis de personagens sensíveis e empáticos. É lindo ver James Gray contra a corrente, criando um filme sobre policiais com uma conduta correta e perssoas com relacionamentos humanos e verdadeiros.

Os donos da noite é um filme sincero de um cineasta irretocável, indiscutivelmente constante com a temática de sua filmografia e que trata, acima de qualquer outra coisa, sobre os sacrifícios exigidos pela vida para que uma geração de uma determinada família, não se perca.

"- Eu te amo.
- ... do filho e do espírito santo...
- Eu te amo também.
- Amém."

quinta-feira, 30 de julho de 2009

O sopro no coração


O SOPRO NO CORAÇÃO (Le souffle au coeur), Louis Malle

O Sopro no coração é um polêmico trabalho multi-facetado do cineasta francês Louis Malle. Ambientado em 1954 na cidade de Djon, o filme possui aspectos fundamentalmente comportamentais, porém, abre espaço para nuances sociais, que inclusive, impulsiona as características de comportamento dentro da história.

O título faz referência a uma terminologia da doença contraída por Leurent, protagonista do filme, mas é natural que esse distúrbio é apenas uma forma de se caracterizar um aspecto moral do personagem: no auge da adolescência, Laurent começa, através da influência dos irmãos mais velhos, a descobrir "a graça e a perdição da vida sexual", mas, acima disso, ele nutre um forte e inusitado desejo pela própria mãe, a mais-que-gostosa Lea Massari. Esse desejo é sutilmente desenvolvido ao longo do filme, como uma bomba a explodir, com a construção dramática feita de forma poderosa e consistente, explodindo no final com uma cena de choque não apenas gráfico, mas também moral.

O sopro no coração é uma onde de novidade, peversão e malícia, que se encontram ao momento da vida de Laurent e que motiva experimentos, descobertas e crescimento pessoal para o garoto. O maior mérito do filme é passear, com uma certa inocência, por esses encontros - a criança e jovem dentro de um só corpo, um contraste bem nítido durante todo o filme, como nas cenas de abertura, onde ele exerce a boa e velha molecagem e a cena onde ele 'conquista' uma das amigas do irmão. É essa consistência nas intenções e a clareza no alvo que tornam o filme apaixonante.

Ao fundo da vida de Laurent está uma França imperialista, onde mesmo numa cidade pequena como Djon (interior francês), os ventos que desencadearam a mais revolucionária mudança comportamental do século XX (os anos 50) irradiavam no coração dos cidadãos. É um outro sopro, um político, que, embalado pela primorosa melodia de Charlie Parker, abre espaço para as novidades do mundo moderno. O jazz, a curtição, a liberdade familiar e sexual estabelecem novos paradigmas e limites, que abrem espaço para o acontecer da história.

Não haveria momento mais oportuno, do ponto de vista social, para ambientar a história do que essa década, o que termina por evidenciar a característa multi-facetada já mencionada como uma das intenções mais claras de Malle ao filmar sua obra. O sopro no coração é, enfim, uma história humana, narrada com uma pureza sutil com toques rápidos de crítica política, social e religiosa - uma combinação explosiva e surpreendentemente eficiente.

texto do Kevin mlke virgem sobre o filme

terça-feira, 23 de junho de 2009

Medos privados em lugares públicos


MEDOS PRIVADOS EM LUGARES PÚBLICOS (Coeurs), Alain Resnais

Este é um trabalho recente do cineasta francês Alain Resnais, que visto em contraste com o seu primeiro e mais elogiado trabalho, Hiroshima meu amor, parece incrivelmente simples e despretensioso. Leigo engano, pois, Medos privados em lugares públicos pode até não ter a montagem complexa e absurda dos primeiros trabalhos de Resnais, mas desafia o espectador a linearizar algo que é muito mais abstrato do que cenas de um filme: pessoas.

O filme passeia por momentos cotidianos na vida de seis parisienses que são conectados através da Teoria dos seis graus de separação, onde cogita-se que todas as pessoas do mundo estão conectadas por no máximo seis outras. É inverno na França e as pessoas parecem estar cada vez mais solitárias em uma época tida tradicionalmente como romântica e aconchegante, em pleno a cidade do amor. Esse é um efeito que pode ser sutilmente constatado ao final do filme. A sensação que se pode ter é de que a estória daquelas personagens é inerte - eles saem de um lugar inicialmente para voltar a ele no final - mas o espectador mais atento vai perceber que os frágeis laços que os unem se enfraquecem ainda mais com o decorrer da história. Nicole e Dan inicialmente são noivos em crise e terminam rompendo o relacionamento; a relação superficial e estritamente profissional de Thierry e Charlotte fica extremamente confusa e constrangedora; Gaelle inicialmente tem a ambição de apesar de seu self-hatred, encontrar alguém e ao final acaba saindo machucada de um falso relacionamento amoroso; e finalmente Lionel, garçom e ouvinte no inicio, perde o pai.

A dura peça de Resnais trata em primeira análise da solidão, mas se envereda por outros pequenos assuntos ao longo da projeção, que apesar de diferentes, são inerentes à solidão pessoal. Essa solidão assume um aspecto personificado em Medos privados em lugares públicos, como se brotasse, de tão intensa, das vidas das personagens para adquirir forma própria. É a neve e é o frio, que as afasta ou que as atraí para afastá-las ainda mais no final. Não é por menos que ao invés de uma transição em fade tradicional, Resnais intercote-a com uma visão de neve em constante queda: é o ambiente tomando forma significativa no filme, é expressionismo puro, belo e poético. O cineasta, através desse efeito, veredicta o destino de suas criações, que desde a primeira visão de uma Paris completamente desolada e tomada pela neve, estão condenados a estarem e continuarem (ainda mais) sozinhos.

Alains Resnais, que trabalha com cinema há mais 60 anos, nos gratifica com uma de suas mais belas direções em longa-metragens. São planos esteticamente simples, mas de bela substância, com constantes e precisos movimentos, que dão ritmo certo ao filme e agradam definitivamente a quem se aventura a admirar as infinitas emoções contidas em uma imagem cinematograficamente fotografada. É fantástico notar que um diretor, mesmo após décadas e décadas de trabalho não tenha perdido o toque e ainda tenha se dado ao luxo de se reinventar de forma tão evidente, como Resnais o fez. O cineasta demonstra talento e liderança ao assumir à frente de um projeto que une tão bem aspectos não apenas do cinema como arte, mas da literatura, da música e do cotidiano.

Medos privados em lugares públicos é um tratado sobre uma condição recorrente e por muitas vezes permanente da personalidade humana e age de forma popular e direta sob a mente e os olhos de quem assiste, pois utiliza-se de uma linguagem descomplicada para definir e sustentar suas intenções. Obra de mestre.

sexta-feira, 19 de junho de 2009

Terror nas trevas


TERROR NAS TREVAS (E tu vivrai nel terrore - L'aldilà), Lucio Fulci

Em Terror nas trevas, Lucio Fulci delega para si uma das características mais marcantes de Mario Bava: o filme se concentra em torno da idéia da criação de uma atmosfera única e surreal de horror.

Sob esta lógica, tudo no filme pode fazer sentido. Não é como se a lógica narrativa fosse descartada em razão desse objetivo - a criação de uma atmosfera diferenciada -, mas este requer para si um sentido próprio. É por esse motivo que parece não haver linha do tempo nem espaço físico no filme. Corpos aparecem e reaparecem em lugares, tempos e circunstâncias diferentes, apenas para fazer fluir a narrativa, aumentando o terror na mente de quem assiste, e ainda de ressaltar o ponto 'discutido' por Fulci (mais uma vez, a atmosfera). Terror nas trevas é um pesadelo coletivo, e os espectadores compartilham deste sonho orquestrado pelo diretor, juntamente com os personagens.

O filme começa em 1927, onde um pintor é brutalmente torturado e assassinado (mas não antes de dizer que o hotel no qual se encontra é uma das entradas para o inferno) por o que parecem ser aldeões revoltados. Trata-se de uma cena forte, logo no inicio, que deixa claro a forma impiedosa como todas as personagens serão tratadas ao longo do filme. Após a morte desse misterioso pintor, a narrativa dá um salto de 50 anos no tempo e começa a acompanhar aquilo que seria os momentos finais de Liza - o que mais próximo podemos chamar de protagonista. Liza herdou o já citado hotel amaldiçoado de um tio que, para quem assiste ao filme, é anônimo. A história não dá rodeios: em menos de dois minutos, assustado com uma visão macabra de dentro do hotel, um pintor cai de uma plataforma e bate a cabeça. A partir desse instante, outros personagens nos são rapidamente apresentados para jamais serem devidamente desenvolvidos. Isso porque eles são meras peças que Fulci utiliza para glamourizar o gore, manipular a narrativa e criar um espetáculo para os sentidos. Não se trata de um filme que precisa ser detalhadamente entendido, pois é simplesmente baseado numa realidade alternativa ao próprio universo 'normal' da história (uma cidade no interior dos Estados Unidos) para adquirir significados próprios, que nem sempre podem ser traduzidos em palavras. É, de fato, um pesadelo.

Lançado em 1981, Terror nas trevas não foi uma obra inovadora em nenhum aspecto, mas foi provavelmente o melhor filme do gênero e intenções utilizadas. Possui um trabalho autoral de Fulci na direção, que condensa a história em puro horror e objetividade, garante atuações aceitáveis e na dose certa para cumprir o objetivo de chocar, e trabalha de maneira inicialmente contida na criação ambiental para depois explodir com a as manifestações e eventos nos vinte minutos finais. Pode não ser o melhor trabalho de Fulci, mas com certeza tem força suficiente para figurar no topo de sua filmografia e consequentemente, entre os mais bem realizados filmes do cinema de terror italiano.

quinta-feira, 18 de junho de 2009

Sussurros ao luar


SUSSURROS AO LUAR (Gekkô no sasayaki), Akihiko Shiota

O filme de estréia de Akihiko Shiota parece não saber muito bem a que veio. É de extrema inconstância: ora a história se concentra em Hideki, o garoto vítima de um distúrbio mental, ora em Stasuki, a garota que foge de um depravado.

Essa indecisão de foco não é algo que se constata imediatamente, pois a mudança não é repentina, lógica e nem intencional (exemplo mais famoso é o de Psicose). É, na verdade, uma mudança sutil e acompanha a conveniência e oportunidade oferecidas pelo roteiro, restando como única possível conclusão para o fato a de que se trata de uma trama amadora.

Sussurros ao luar exterioriza o momento complicado de amadurecimento sexual através de um jogo sado-masoquista entre os dois personagens principais. Visto apenas sob essa ótica, trata-se sem dúvidas de um belo trabalho que contribui muito bem ao ramo do 'cinema jovem'.

Outros aspectos notáveis e pelos quais Akihiko Shiota merece ser elogiado são o som e as atuações, ambos em tons e momentos oportunos. Por diversas vezes, se tem a impressão de que os atores estão participando de uma dança, com seus movimentos leves e expontaneamente forjados. Na verdade, de fato o elenco jovem parece estar em constante movimento, em contraste com o que geralmente ocorre com o elenco adulto, sendo que todos esses gestos e deslocações, são divinamente acompanhadas pela câmera do fotógrafo Shigeru Komatsubara.

No final das contas, Sussurros ao luar é uma história semi-expressionista de amor, que possui defeitos no roteiro, por ser um trabalho precário de foco narrativo, e na direção, por ser mais longo do que poderia, mas que já demonstra certo apuro técnico por parte do diretor Shiota, por trabalhar de forma tão inusitada e criativa com um tema bastante delicado.

quarta-feira, 17 de junho de 2009

Soberba


SOBERBA (The magnificent Ambersons), Orson Welles

Era de se esperar que depois te ter lançado uma obra transgressora indicada ao Oscar de melhor filme (Cidadão Kane), Orson Welles teria carta branca para trabalhar como bem quisesse. Porém, não foi bem isso que aconteceu. Welles filmou, em 1942, Soberba, baseado no livro de Booth Tarkington. A duração original do filme seria de pouco mais de duas horas e meia, mas devido ao mau desempenho nas bilheterias, excluiu-se mais de uma hora de filme, por ordem da produtora (RKO Radio Pictures), que acreditava na recuperação do prejuizo nos primeiros dias em função deste corte.

Torna-se, portanto, inútil tecer comentários aprofundados acerca do filme, já que as intenções de primordiais de Orson Welles ficaram na sala de edição. Pode-se ver nos 86 minutos do filme hoje apenas resquícios daquilo que poderia ser um tratado sobre aristocracia e modernidade. Sem esse estudo completo, o filme tornou-se um fraco romance de absurda conveniência.

Não se pode deixar de notar, entretanto, que a megalomania de Welles se faz evidente nesse trabalho, que foi pretensioso, já que as cenas raramente são interrompidas por cortes, o que constituiu com toda a certeza um trabalho preciso de direção, fotografia e atuação.

Por fim, Soberba não é um bom filme, já que seus objetivos foram muito provavelmente sufocados em pró dos interesses financeiros do produtores. Merece ser visto por fãs do diretor, que tem interesse pessoal em sua difícil trajetória no meio cinematográfico.

segunda-feira, 15 de junho de 2009

O segredo do bosque dos sonhos


O SEGREDO DO BOSQUE DOS SONHOS (Non si sevizia un paperino), Lucio Fulci

O segredo do bosque dos sonhos é mais uma das numerosas obra-primas produzidas na década de setenta e é um dos trabalhos mais elogiados do grande diretor italiano Lucio Fulci. Um mix interessante de faroeste, thriller e filme policial, a história se concentra em misteriosos assassinatos a crianças de um pequeno e supersticioso vilarejo no interior da itália.

À época do modernismo, o contraste feito por Fulci é bastante interessante. O vilarejo é tão atrasado e fechado em sua própria cultura mística, que tem-se a impressão de se tratar de um outro universo. Com o início dos assassinatos (primeiramente, três crianças são assassinadas), pessoas de outras cidades - dentre elas jornalistas - chegam ao vilarejo (localizado na região da Sicília), e tornam-se perplexos diante da cultura supersticiosa do povo. Um assunto tratado de forma no mínimo interessante pelo filme - direção e roteiro trabalhando em conjunto, para evidenciar esse 'combate'.

O que mais se percebe no filme, apesar da boa história - que funciona não somente como crítica pertinente à época, mas especialmente como suspense mesmo -, é a direção magistral de Fulci. Com uma câmera objetiva e ágil, o diretor conseguiu empregar um ritmo maravilhoso ao filme - muito mais agradável do que os gênios italianos das décadas de 60 e 70 conseguiram ser. Lucio Fulci se dá ao luxo de inclusive flertar com o noir e com o expressionismo, dando à luz a um dos grandes filmes europeus da história.

Violência e horror nas doses certas, um orçamento médio para uma produção impecável, O segredo do bosque dos sonhos é tido como um dos grandes trabalhos de Fulci, é angustiante, veloz e sincero, tendo servido de inspiração para grandes trabalhos dos nossos dias, inclusive a cena mais famosa (a tortura de Mr. Blonde) em Cães de Aluguel (de Quentin Tarantino). Indispensável para os fãs e futuros fãs do gênero, e volto a dizer, um trabalho de direção e fotografia que devem ser invejado por quem trabalha no mundo cinematográfico.


sexta-feira, 12 de junho de 2009

Corrida sem fim



CORRIDA SEM FIM (Two-lane blacktop), Monte Hellman


Filme cult da aurora dos anos 70, Corrida sem fim embarcou na onda do movimento hippie para estabelecer o seu foco narrativo. Esse trabalho de Monte Hellman fracassou nas bilheterias e foi extremamente criticado na época, por ser um filme de ritmo lento e com feições introspectivas. Mas a verdade é que é uma obra notória sobre a juventude, e não só aquela que se auto-exaltava nas décadas de 60 e 70.
O filme MOSTRA um pequeno trecho na vida de dois jovens, conhecidos no filme apenas como The Driver e The Mechanic (o que escancara a primeira das observações de Hellman - os jovens muitas vezes não possuem identidade própria e assumem-se para si próprios personalidades pouco específicas), que passam os seus dias a disputar corridas, objetivando a sobrevivência. São dois personagens indiferentes a si, ao outro e a quem os assiste. Duas pessoas que resumem a sua existência a simplesmente viver, sem tracejar metas e objetivos. Esse aspecto imediatista também é uma observação pertinente do roteiro em relação ao espírito juvenil.
A entrada da personagem The Girl, ao invés de dar fôlego novo à história, vem para confirmar os pontos abordados até então. A garota não tem ambições, não deseja ir para lugar algum e vive pegando caronas com estranhos. Observamos aqui o desapego, outro aspecto relevante ressaltado pelo filme do Hellman.
Até que temos a chegada de GTO, um personagem mais maduro, na faixa dos trinta e cinco anos. GTO não é mais jovem e, com um contraste poético entre os três personagens narrados até então, ele possui sonhos e fala sobre eles.
GTO chega à trama para disputar uma corrida com The Driver, e se apega a essa disputa com determinação, ao contrário do que se verifica com os jovens do outro carro (um two-lane blacktop, título original do filme), que demonstram um claro descompromisso com o que se propuseram a fazer.
Corrida sem fim é um trabalho definitivo sobre uma época da história do século XX e sobre uma etapa da vida de qualquer pessoa. É um filme de beleza poética, onde os objetivos da narrativa se concentram no interior das personagens e como tal deve ser reverenciado. É uma pena que o filme se arraste tanto para provar e narrar essas observações, já que todo o trabalho poderia ter sido feito em menos tempo e com um ritmo mais aceitável. Mas é, com toda certeza, um filme que deve ser visto e estudado.

Balanço do mês - maio 2009

maio 2009

27.05 – 50. Morangos silvestres (Smultronstället, Ingmar Bergman, 1957) - 5/5
31.05 – 51. Corrida sem fim (Two-lane Blacktop, Monte Hellman, 1971) – 4/5

Balanço do mês - março 2009

março 2009

02.03 – 34. Seis mulheres para o assassino (Sei donne per l’assassino, Mario Bava, 1964) – 5/5
02.03 – 35.
Thriller – um filme cruel (Thriller – en grym film, Bo Arne Vibenius, 1974) – 2/5
05.0336. O grande Lebowski (The big Lebowski, Joel e Ethan Coen, 1998) – 5/5
06.0337. O velho e o mar (The old man and the sea, Aleksandr Petrov, 1999) – 3/5
06.03 – 38.
O exorcista (The exorcist, William Friedkin, 1973) – 4/5
07.03 – 39. Enigma do poder (New Rose Hotel, Abel Ferrara, 1998) – 3/5
07.03 – 40. Fuca alucinada (Dirty Mary crazy Lazy, John Hough, 1974) – 4/5
09.03 – 41. Cães de aluguel (Reservoir dogs, Quentin Tarantino, 1992) – 5/5
10.03 – 42. O Assassino da furadeira (The driller killer, Abel Ferrara, 1979) – 1/5
11.03 – 43. Planeta terror (Planet terror, Robert Rodriguez, 2007) – 4/5
14.03 – 44. Vício frenético (Bad lieutenant, Abel Ferrara, 1992) – 4/5
14.03 – 45. O silêncio de Lorna (Le silence de Lorna, Jean Pierre e Luc Dardenne, 2007) – 4/5
17.03 – 46.
Stanley Kubrick – imagens de uma vida (Stanley Kubrick life in pictures, Jan Harlan, 2001) – 5/5
18.03 – 47. A dama de Shangai (The lady from Shanghai, Orson Welles, 1947) – 5/5
18.03 – 48. A marca da maldade (Touch of evil, Orson Welles, 1958) – 5/5
18.03 – 49. O estranho (The stranger, Orson Welles, 1946) – 4/5

quarta-feira, 1 de abril de 2009

Fuga alucinada


FUGA ALUCINADA (Dirty Mary, Crazy Larry), John Hugh

Dirigido por John Hugh, cultuado diretor da década de 70 e um dos - muitos - pupilos de Quentin Tarantino, Fuga alucinada (Dirty Mary crazy Larry, não confundir com 'Steal - Fuga alucinada'), de 1974 é um filme cujo maior mérito está na objetividade da trama. Larry é um jovem piloto fracassado do STOCK CAR, que, sem conseguir financiamento para um carro de corrida, resolve, junto com seu mecânico Deke, assaltar um supermercado. Durante a confusão pós-assalto, Mary Coombs se junta ao grupo que tentará escapar da polícia em uma perseguição de fato alucinante pelas rodovias no coração da américa.

Graças ao objetivo, o filme, apesar de em tempos em tempos durante os pouco mais de noventa minutos procurar estabelecer conflitos internos nas personagens, se resume a essa magnífica perseguição, concentrando no suspense e na expectativa os pontos mais relevantes durante a projeção. A decisão de criar personagens mais elaboradas, com dramas e motivações pessoais, apesar de ser praticamente a única ressalva encontrada no filme, é compreensível, já que é justamente essa profundidade pessoal que garante uma boa verossimilhança na trama. Não que verossimilhança deva ser critério na avaliação de um filme, mas mal não deve fazer.

Além do ritmo acelerado, refletido pela própria situação, o filme possui roteiro bem escrito, com passagens e diálogos muito bem retratados. Exemplo disso é a cena logo no começo do filme. Depois de conhecer Mary na noite anterior e dormir com ela, Larry deixa o motel para assaltar o supermercado. Após o assalto, se depara com Mary e o filme entrega um de seus inspirados momentos:

Mary: Você me deve cinquenta dólares.
Larry: O que?
Mary: Ei, se você vai tratar uma boa garota como uma prostituta, é melhor pagá-la como tal.

E como se sabe, diálogos espertos sem bons atores para interpretá-los, não é nada, então ponto para o filme de novo.

Fuga alucinada é cultuado como um excelente filme pop de aventura, grande parte da projeção se passa dentro de um carro ou de um helicóptero e tem uma direção competente de Hugh, o herói dos jovens cinéfilos dos anos setenta, que emprega ao filme um ritmo veloz, leve e divertido, sem deixar o suspense de lado. É filme pra se assistir sozinho, com amigos, com a namorada, com a família, enfim, é exemplo de como com uma história simples, pouco mais de cinco personagens e câmeras dentro de um carro podem criar um filme que entra pra história.

segunda-feira, 30 de março de 2009

Seis mulheres para o assassino


SEIS MULHERES PARA O ASSASSINO (Sei donne per l'assassino), Mario Bava

Nova excursão do diretor italiano Mario Bava ao gênero criado pelo próprio, Seis mulheres para o assassino contém elementos característicos da arte giallo e da direção extremamente manipuladora e perigosa do diretor. Em 1963 Mario Bava lançou Olhos diabólicos (La ragazza che sapeva troppo), didaticamente reconhecido por ser o primeiro giallo da história. Esse tipo de filme possui a trama central concentrada no "whodunit", ou seja, alguém comete um crime e a polícia tenta descobrir quem. No entanto, em giallos o assassino geralmente mata em série, tem problemas relacionados a traumas (muitas vezes de infância) e boa quantidade de sexo, sangue e violência. No cinema, ainda é característico do gênero trilhas de áudio não convencionais e certos elementos de óperas nas atuações.

Nesse segundo filme do gênero, o diretor Mario Bava realiza com um de seus trabalhos mais impressionantes em fotografia, um verdadeiro épico do horror. A história é concentrada em uma espécie de casa de modelos. Isabella, uma das alunas, é brutalmente assassinada - em uma das cenas de assassinados mais bonitas da história - e diversas pessoas se envolvem na história durante a investigação. Agora, cinco das principais modelos serão atacadas, uma a uma, pelo misterioso assassino.

A grande qualidade por trás do filme está em como foi estruturado. A câmera de Bava passeia por entre os personagens, muitas vezes vai inclusive até o seu íntimo, mas os despreza, fazendo questão de mostrar o quão dissolutos são. Muitos deles envolvidos em relacionamentos que em questão do assassinato e também pela própria impersistência dos casais, acabam se rompendo. Com esse desdém, o diretor posiciona o âmago do expectador onde deseja e cria o espetáculo. O concerto feroz de assassinatos embalado por música, grito e sangue, este último inclusive tendo representação perpétua por toda a projeção, pois o vermelho é a cor exaltada nos cenários e nas roupas e objetos dos personagens. Além de manipular o expectador na estrutura narrativa, com o auxílio do título original da obra, Bava surpreende ainda mais num dos finais mais chocantes e significativos do gênero giallo.

Seis mulheres para o assassino é um filme cruel, que muito mais do que apenas servir como terror impressionista, brinca com a fugacidade do amor e a manipulação e insignificância dos relacionamentos. Fotografia com saturação forte, ambientação antológica e os assassinatos mais exorbitantes que a década de 60 já viu, é uma obra que se destaca dentre os filmes do mestre Bava e que ocupa um dos patamares do terror de toda a história do cinema.

sábado, 28 de março de 2009

O estranho


O ESTRANHO (The stranger), Orson Welles

O estranho é prova personificada do talento narrativo do diretor/escritor/ator/produtor Orson Welles. Um thriller fascinante do e sobre o pós-guerra, que além de encantar independentemente de qualquer fator histórico, é polêmico justamente por incitar o perigo de uma conspiração, em uma época onde os contornos que definiram o fim da segunda guerra mundial não estavam completamente claros.

Na história do filme, Orson Welles interpreta o ex-oficial nazista Franz Kindler, responsável pelos planos mais crueis do regime nazista de Adolf Hitler, incluindo o holocausto. Mr. Wilson, um oficial americano da comissão de crimes de guerra, viaja até uma pequena cidade no interior de Connecticut procurando capturar Kindler, com o agravo de que ninguém nunca viu seu rosto, logo, apesar da certeza que Mr. Wilson (e o expectador) tem, ele precisa de uma prova cabal para poder condenar o cruel braço direito de Hitler.

O aspecto mais interessante de O estranho é a forma como Welles manipula a atmosfera. Logo nos primeiros minutos de filme, a edição, iluminação e enqudramentos em geral remetem a uma ambientação tensa, enervante. Mas após um corte-seco, a aura do filme é completamente transformada, assumindo um semblante singelo, alegórico. Esse corte, esse contraste é um excelente exemplo do controle atmosférico e da capacidade e confiança criativa de Orson Welles. Com um trabalho livre, autônomo, e com o humor negro sagaz de sempre, o diretor entrega um excelente trabalho, especialmente bem decupado, editado e fotografado.

Contudo, a impressão que permanece ao final é a de que o filme poderia ser melhor trabalhado, tanto no aspecto do suspense, quanto aos potenciais expositivos do próprio roteiro, mesmo. Enfim, basicamente, é uma direção maravilhosa que corrige, dentro dos limites possíveis, muitos dos vícios do roteiro, mas que infelizmente não consegue revertê-lo a uma obra-prima, apesar de chegar bem perto disso.

segunda-feira, 23 de março de 2009

Pistoleiros do entardecer


PISTOLEIROS DO ENTARDECER (Ride the high country), Sam Peckinpah

No início dos anos 60, quando Sam Peckinpah, o poeta da violência, ainda não ostentava esta alcunha, o gênero faroeste ganhava, graças a ele, uma obra de sensibilidade única, o excelente Ride the High Country, que recebeu o digno nome de Pistoleiros do Entardecer no Brasil.

Ambientado maravilhosamente em uma época posterior à era clássica dos westerns, o filme narra uma aventura a qual o velho Steve Judd (Joel McCrea) se voluntaria a transportar uma carga de ouro, da mina até o banco da cidade. Para conseguir se dar bem nesse trabalho, Judd contrata o reforço de Gil Westrum (Randolph Scott), um velho amigo dos old times e de Heck Longtree (Ron Starr), uma espécie de jovem aprendiz do velho. Durante a viagem, a jovem Elsa Knudsen (Mariette Hartley) se agrega à trama, formando par romântico com Heck, um romance que é extremamente bem conduzido e que oferece um dos detalhes mais belos da história.

Numa tradução literal, "Ride the High Country" significa “Cavalgada no desfiladeiro”, referência mais do que clara ao trajeto percorrido pelo grupo durante a viagem, que, na verdade, não tem objetivos mercenários, como o fanático pai da jovem Elsa afirma, mas, sim, nostálgicos. A nostalgia está nas conversas de Judd e Westrum, que nunca são aleatórias, pois se tratam de escolhas, sejam as que já foram tomadas ou aquelas que ainda podem ser feitas. E no confronto das idéias pessimistas articuladas de Judd com as – provavelmente – sábias de Judd, o casal de jovem não se preocupam. Nem com a frágil amizade, nem com o ouro que estão carregando, muito menos com filosofias sobre a vida, mas se concentram no agora, no romance e na paixão. Esse comportamento serve de contraste com as atitudes e comentários dos velhos, que são carregados com desesperança, como se não valesse à pena se preocupar com um momento que pode nem chegar, enquanto os jovens se concentram em ‘viver’ o futuro: vou me casar, vou aprender, vou te levar, vou ficar livre, etc.

Durante o caminho de volta, Westrum tenta roubar o outro do ex-amigo, com a ajuda de Heck, mas não consegue, sendo os dois então, obrigados a voltar para a cidade algemados. Pela traição, os dois velhos amigos se separam, voltando a se encontrar mais tarde, onde, juntos, duelam com três homens, e vencem, parcialmente. Parcialmente porque Judd é atingindo por vários tiros e morre ali m esmo, no ponto mais baixo do desfiladeiro, bem perto da cidade, na cena mais bonita e significativa do filme.

Peckinpah tem aqui uma direção formidável, que oferece um bom suporte ao filme, já que a história, apesar de bonita e cheia de boa intenção, é inconstante, enfraquece em vários momentos, especialmente naqueles que antecedem a chegada de Judd, Heck e Elsa ao cenário final, já mencionado no último parágrafo. Mas com um excelente uso da trilha, da edição e de filmagem, o filme conta com toques expressionistas, que são até usuais nos filmes do poeta, numa espécie de réquiem effect, que pode ser observado em cenas como a que fecha o filme ou o casamento de Elsa, por exemplo. Peckinpah magnífica o roteiro de NB Stone Jr (que ele ajudou a escrever) e faz com que Pistoleiros do entardecer (poético nome, numa das “traduções” mais acertadas já feitas) seja um filme incrível, inteligente e divertido demais.

sexta-feira, 20 de março de 2009

A dama de Shangai


A DAMA DE SHANGAI (The lady from Shanghai), Orson Welles


A dama de Shangai constinui no cinema um exemplo cabal de controle narrativo que poucos diretores tem o privilégio de conquistar. Em 1947, numa das fases mais difíceis da sua carreira, Orson Welles lançou com muito esforço aquilo que era, para ele, 3/4 de uma de suas grandes obras. Isso porque dos 122 minutos almejados por Welles, 34 foram cortados na sala de edição. É evidente, dessa forma, que o filme é, no mínimo, diferente do que o diretor havia imaginado, o que não significa nem um pouco que não seja um de seus grandes trabalhos.

Demonstrando extrema confiança na trama que tinha em mãos, Welles começa A dama de Shangai com uma narração em off em estado melancólico, que já avisa ao expectador que suas decisões, desde o primeiro olhar no parque, foram equivocadas. Entregar o que de certa forma é o resultado do plot principal do filme não demonstra apenas segurança, mas também um domínio estratégico excepcional, por deixar o erro iminente, criando uma atmosfera única de suspense que aos poucos se restringe, e sufoca.

Além de uma trama complexa, que flerta perfeitamente com o suspense e com o amor platónico, essa obra-prima detém um trabalho de fotografia maravilhoso, ficando em destaque as cenas noturnas, onde é dado os grandes destaques ao longo da história - e a famosa cena final, apesar de não ser noturna, encaixa-se nessa categoria, por ser filmada em local fechado. A direção de Welles adquire por vezes toques expressionistas, que se evidenciam por exemplo, numa das primeiras cenas do filme onde, a luz é frenética mas estabiliza-se à medida que Michael e Elsa se aproximam, ou como a mesma luz sempre parece perseguir (estar na) a donzela.

A dama de Shangai é uma obra-prima poderosa, que investindo-se na mente do protagonista, interpretado pelo próprio diretor, discursa sobre paixões, ganância, sociedade, índivíduo e sensualidade, sem nunca deixar de lado a típica estética noir, que funciona no filme não como uma limitação, mas como um incentivo,um adorno. Um trabalho de extrema importância física e referencial, do diretor mais louco e provavelmente genial que a old hollywood já viu.

terça-feira, 17 de março de 2009

Vicky Cristina Barcelona


VICKY CRISTINA BARCELONA, Woody Allen

Vicky Cristina Barcelona não é um filme sobre o amor, mas sim um filme que busca interpretar, amoldar e discorrer sobre o conceito desse sentimento. Algo que começou a ser trabalhado por Woody Allen em 1977, quando ele lançou sua melhor obra, Annie Hall. Neste, o foco é diferente, mas em alguns momentos, os caminhos se cruzam, isso porque ambos os filmes tratam sobre a fugacidade das relações amorosas.

Amor é definido como a inclinação da alma e do coração, mas cada pessoa tem uma idéia diferente. Para Cristina (Scarlett Johansson), o amor deve necessariamente estar ligado à paixão, ao forte desejo. Cristina é entusiasta, gosta de experimentar e tem talento para fotografia. Sua amiga Vicky (Rebecca Hall), por outro lado, pensa que o amor é compromisso e sacrifício. Pensa que você não ama realmente uma pessoa se não é disposta a deixar alguns ímpetos em prol de sua companhia. Visões que são, portanto, antagônicas, mas que entraram em choque quando as duas são atraídas pelo mesmo homem: Juan Antonio (Javier Bardem).

Constata-se que ao indicar uma paixão de personalidades tão distintas por uma mesma pessoa, ao terminar e começar relacionamentos que são mais estranhos do que se espera e, acima de tudo, ao contextualisar toda a história durante apenas três meses de férias de verão, que Woody Allen discorre sobre o quão misterioso, imoldável e indefínivel o amor pode ser. O filme pode ser definido então, como uma melancólica e sensata declaração inferioridade, onde o diretor aceita a limitação do intelecto do ser humano, já que este falha em compreender aquele que é o sentimento mais tremendo que ele conhece.

quinta-feira, 5 de março de 2009

Balando do mês - fevereiro 2009

fevereiro 2009

03.02 – 11. Queime depois de ler (Burn after reading, Joel e Ethan Coen, 2008) – 5/5
04.02 – 12. Luzes na escuridão (Laitakaupungin valot, Aki Kaurismäki, 2006) – 4/5
04.02 – 13.
As amizades particulares (Les amitiés particulières, Jean Delannoy, 1964) – 4,5/5
05.02 – 14. Maldito coração (Heart is deceitful above all things, Asia Argento, 2004) – 3.5/5
05.02 – 15.
O ciclo do pavor (Operazione paura, Mario Bava, 1966) – 5/5
08.02 – 16. Barfly – condenados pelo vício (Barfly, Barbet Schroeder, 1987) – 4,5/5
09.02 – 17. Vicky Cristina Barcelona (idem, Woody Allen, 2008) – 5/5
10.02 – 18. O sonho de Cassandra (Cassandra’s dream, Woody Allen, 2008) – 4,5/5

11.02 – 19. Lisa e o diabo (Lisa e il diavolo, Mario Bava, 1973) – 5/5
12.02 – 20.
A outra (Another woman, Woody Allen, 1988) – 5/5
13.02 – 21.
Interiores (Interiors, Woody Allen, 1978) – 5/5
13.02
– 22. O pásaro com plumas de cristal (L’uccello dalle piume di cristallo, Dario Argento, 1970) – 4/5
16.02 – 23. Quatro vezes naquela noite (Quante volte... quella notte, Mario Bava, 1972) – 4/5
16.0224.
Hannah e suas irmãs (Hannah and her sisters, Woody Allen, 1986) – 5/5
17.02 – 25.
As três máscaras do horror (Il tri volti della paura, Mario Bava, 1963) – 4,5/5
18.02 – 26.
O dorminhoco (The sleeper, Woody Allen, 1973) – 3,5/5
25.0227. My best friend’s birthday (idem, Quentin Tarantino, 1987) – 3/5
26.02 – 28.
Memórias (Stardust memories, Woody Allen, 1980) – 5/5
26.02 – 29. Schock (idem, Mario Bava, 1977) – 5/5
27.02 – 30. Assalto ao trem blindado (Quel maledetto treno blindato, Enzo G. Castellari, 1978) – 4/5
27.02 – 31. Na natureza selvagem (Into the wild, Sean Penn, 2007) – 4,5/5
28.02 – 32. Trágica obsessão (Obsession, Brian De Palma, 1976) – 4/5
28.02 – 33. A marca do assassino (Kuroshi no rakuin, Seijun Suzuki, 1967) – 4,5/5

quarta-feira, 4 de março de 2009

Top10 geral



01. Embriagado de amor (Punch-drunk love, Paul Thomas Anderson, 2002)
02. Pulp fiction - tempos de violência (Pulp fiction, Quentin Tarantino, 1994)
03. Três homens em conflito (The good, the bad and the ugly, Sergio Leone, 1966)
04. Suspiria (idem, Dario Argento, 1977)
05. O demônio das onze horas (Pierrot le fou, Jean-Luc Godard, 1965)
06. O iluminado (The shining, Stanley Kubrick, 1980)
07. Noivo neurótico, noiva nervosa (Annie Hall, Woody Allen, 1977)
08. Um tiro na noite (Blow out, Brian De Palma, 1981)
09. Ariel (idem, Aki Kaurismäki, 1988)
10. Paranoid park (idem, Gus Van Sant, 2007)

quarta-feira, 25 de fevereiro de 2009

Segunda vez virgem


SEGUNDA VEZ VIRGEM (Yuke yuke nidome no shojo), Kôji Wakamatsu

Filme experimental japonês, que com seus pouco mais de sessenta minutos conta os dois últimos dias da vida de dois jovens massacrados pelos paradigmas de qualquer sociedade, ao rejeitarem a perversão – e o sexo. Na provável melhor cena do filme, Yukio, um dos jovens que no final, só quer mesmo gozar da liberdade de seu corpo e de suas próprias escolhas, oferece uma chave para uns arruaceiros. A chave, Yukio encharcado de sangue e os jovens prestes a morrer fazem dessa cena maravilhosa um grito de socorro, e um clamor em prol de um movimento contra a banalização da pornografia e da depravação do corpo, da mente e da alma. Um trabalho expressionista, corajoso e sem dúvida nenhuma, muito chocante.

sábado, 7 de fevereiro de 2009

Balanço do mês - Janeiro 2009

BALANÇO DO MÊS - JANEIRO 2009


janeiro 2009
19.01 – 01. Estalagem em Tóquio (Tokyo no yado, Yasujiro Ozu, 1935) – 4/5
20.01 – 02. O jogador (The player, Robert Altman, 1992) – 5/5
22.01 – 03. Banho de sangue (Reazione a catena, Mario Bava, 1971) – 4/5
22.01 – 04. Um grande problema (Big trouble, John Cassavetes, 1986) – 4/5
26.01 – 05. Rolling Stones shine a light (idem, Martin Scorsese, 2008) – 4/5
27.01 – 06. Nuvens passageiras (Kauas pilvet karkaavat, Aki Kaurismäki, 1996) – 4/5
28.01 – 07. O homem sem passado (Mies vailla menneisyyttä, Aki Kaurismäki, 2002) – 5/5
29.01 – 08. Queime depois de ler (Burn after reading, Joel e Ethan Coen, 2008) – 5/5
30.01 – 09. 5 dolls for august moon (5 bambole per la luna d’agosto, Mario Bava, 1970) - 4/5
31.01 – 10. Fim dos tempos (The happening, M. Night Shyalaman, 2008) – 5/5

Melhor do mês: The happening
Pior do mês: nenhum