segunda-feira, 30 de março de 2009

Seis mulheres para o assassino


SEIS MULHERES PARA O ASSASSINO (Sei donne per l'assassino), Mario Bava

Nova excursão do diretor italiano Mario Bava ao gênero criado pelo próprio, Seis mulheres para o assassino contém elementos característicos da arte giallo e da direção extremamente manipuladora e perigosa do diretor. Em 1963 Mario Bava lançou Olhos diabólicos (La ragazza che sapeva troppo), didaticamente reconhecido por ser o primeiro giallo da história. Esse tipo de filme possui a trama central concentrada no "whodunit", ou seja, alguém comete um crime e a polícia tenta descobrir quem. No entanto, em giallos o assassino geralmente mata em série, tem problemas relacionados a traumas (muitas vezes de infância) e boa quantidade de sexo, sangue e violência. No cinema, ainda é característico do gênero trilhas de áudio não convencionais e certos elementos de óperas nas atuações.

Nesse segundo filme do gênero, o diretor Mario Bava realiza com um de seus trabalhos mais impressionantes em fotografia, um verdadeiro épico do horror. A história é concentrada em uma espécie de casa de modelos. Isabella, uma das alunas, é brutalmente assassinada - em uma das cenas de assassinados mais bonitas da história - e diversas pessoas se envolvem na história durante a investigação. Agora, cinco das principais modelos serão atacadas, uma a uma, pelo misterioso assassino.

A grande qualidade por trás do filme está em como foi estruturado. A câmera de Bava passeia por entre os personagens, muitas vezes vai inclusive até o seu íntimo, mas os despreza, fazendo questão de mostrar o quão dissolutos são. Muitos deles envolvidos em relacionamentos que em questão do assassinato e também pela própria impersistência dos casais, acabam se rompendo. Com esse desdém, o diretor posiciona o âmago do expectador onde deseja e cria o espetáculo. O concerto feroz de assassinatos embalado por música, grito e sangue, este último inclusive tendo representação perpétua por toda a projeção, pois o vermelho é a cor exaltada nos cenários e nas roupas e objetos dos personagens. Além de manipular o expectador na estrutura narrativa, com o auxílio do título original da obra, Bava surpreende ainda mais num dos finais mais chocantes e significativos do gênero giallo.

Seis mulheres para o assassino é um filme cruel, que muito mais do que apenas servir como terror impressionista, brinca com a fugacidade do amor e a manipulação e insignificância dos relacionamentos. Fotografia com saturação forte, ambientação antológica e os assassinatos mais exorbitantes que a década de 60 já viu, é uma obra que se destaca dentre os filmes do mestre Bava e que ocupa um dos patamares do terror de toda a história do cinema.

sábado, 28 de março de 2009

O estranho


O ESTRANHO (The stranger), Orson Welles

O estranho é prova personificada do talento narrativo do diretor/escritor/ator/produtor Orson Welles. Um thriller fascinante do e sobre o pós-guerra, que além de encantar independentemente de qualquer fator histórico, é polêmico justamente por incitar o perigo de uma conspiração, em uma época onde os contornos que definiram o fim da segunda guerra mundial não estavam completamente claros.

Na história do filme, Orson Welles interpreta o ex-oficial nazista Franz Kindler, responsável pelos planos mais crueis do regime nazista de Adolf Hitler, incluindo o holocausto. Mr. Wilson, um oficial americano da comissão de crimes de guerra, viaja até uma pequena cidade no interior de Connecticut procurando capturar Kindler, com o agravo de que ninguém nunca viu seu rosto, logo, apesar da certeza que Mr. Wilson (e o expectador) tem, ele precisa de uma prova cabal para poder condenar o cruel braço direito de Hitler.

O aspecto mais interessante de O estranho é a forma como Welles manipula a atmosfera. Logo nos primeiros minutos de filme, a edição, iluminação e enqudramentos em geral remetem a uma ambientação tensa, enervante. Mas após um corte-seco, a aura do filme é completamente transformada, assumindo um semblante singelo, alegórico. Esse corte, esse contraste é um excelente exemplo do controle atmosférico e da capacidade e confiança criativa de Orson Welles. Com um trabalho livre, autônomo, e com o humor negro sagaz de sempre, o diretor entrega um excelente trabalho, especialmente bem decupado, editado e fotografado.

Contudo, a impressão que permanece ao final é a de que o filme poderia ser melhor trabalhado, tanto no aspecto do suspense, quanto aos potenciais expositivos do próprio roteiro, mesmo. Enfim, basicamente, é uma direção maravilhosa que corrige, dentro dos limites possíveis, muitos dos vícios do roteiro, mas que infelizmente não consegue revertê-lo a uma obra-prima, apesar de chegar bem perto disso.

segunda-feira, 23 de março de 2009

Pistoleiros do entardecer


PISTOLEIROS DO ENTARDECER (Ride the high country), Sam Peckinpah

No início dos anos 60, quando Sam Peckinpah, o poeta da violência, ainda não ostentava esta alcunha, o gênero faroeste ganhava, graças a ele, uma obra de sensibilidade única, o excelente Ride the High Country, que recebeu o digno nome de Pistoleiros do Entardecer no Brasil.

Ambientado maravilhosamente em uma época posterior à era clássica dos westerns, o filme narra uma aventura a qual o velho Steve Judd (Joel McCrea) se voluntaria a transportar uma carga de ouro, da mina até o banco da cidade. Para conseguir se dar bem nesse trabalho, Judd contrata o reforço de Gil Westrum (Randolph Scott), um velho amigo dos old times e de Heck Longtree (Ron Starr), uma espécie de jovem aprendiz do velho. Durante a viagem, a jovem Elsa Knudsen (Mariette Hartley) se agrega à trama, formando par romântico com Heck, um romance que é extremamente bem conduzido e que oferece um dos detalhes mais belos da história.

Numa tradução literal, "Ride the High Country" significa “Cavalgada no desfiladeiro”, referência mais do que clara ao trajeto percorrido pelo grupo durante a viagem, que, na verdade, não tem objetivos mercenários, como o fanático pai da jovem Elsa afirma, mas, sim, nostálgicos. A nostalgia está nas conversas de Judd e Westrum, que nunca são aleatórias, pois se tratam de escolhas, sejam as que já foram tomadas ou aquelas que ainda podem ser feitas. E no confronto das idéias pessimistas articuladas de Judd com as – provavelmente – sábias de Judd, o casal de jovem não se preocupam. Nem com a frágil amizade, nem com o ouro que estão carregando, muito menos com filosofias sobre a vida, mas se concentram no agora, no romance e na paixão. Esse comportamento serve de contraste com as atitudes e comentários dos velhos, que são carregados com desesperança, como se não valesse à pena se preocupar com um momento que pode nem chegar, enquanto os jovens se concentram em ‘viver’ o futuro: vou me casar, vou aprender, vou te levar, vou ficar livre, etc.

Durante o caminho de volta, Westrum tenta roubar o outro do ex-amigo, com a ajuda de Heck, mas não consegue, sendo os dois então, obrigados a voltar para a cidade algemados. Pela traição, os dois velhos amigos se separam, voltando a se encontrar mais tarde, onde, juntos, duelam com três homens, e vencem, parcialmente. Parcialmente porque Judd é atingindo por vários tiros e morre ali m esmo, no ponto mais baixo do desfiladeiro, bem perto da cidade, na cena mais bonita e significativa do filme.

Peckinpah tem aqui uma direção formidável, que oferece um bom suporte ao filme, já que a história, apesar de bonita e cheia de boa intenção, é inconstante, enfraquece em vários momentos, especialmente naqueles que antecedem a chegada de Judd, Heck e Elsa ao cenário final, já mencionado no último parágrafo. Mas com um excelente uso da trilha, da edição e de filmagem, o filme conta com toques expressionistas, que são até usuais nos filmes do poeta, numa espécie de réquiem effect, que pode ser observado em cenas como a que fecha o filme ou o casamento de Elsa, por exemplo. Peckinpah magnífica o roteiro de NB Stone Jr (que ele ajudou a escrever) e faz com que Pistoleiros do entardecer (poético nome, numa das “traduções” mais acertadas já feitas) seja um filme incrível, inteligente e divertido demais.

sexta-feira, 20 de março de 2009

A dama de Shangai


A DAMA DE SHANGAI (The lady from Shanghai), Orson Welles


A dama de Shangai constinui no cinema um exemplo cabal de controle narrativo que poucos diretores tem o privilégio de conquistar. Em 1947, numa das fases mais difíceis da sua carreira, Orson Welles lançou com muito esforço aquilo que era, para ele, 3/4 de uma de suas grandes obras. Isso porque dos 122 minutos almejados por Welles, 34 foram cortados na sala de edição. É evidente, dessa forma, que o filme é, no mínimo, diferente do que o diretor havia imaginado, o que não significa nem um pouco que não seja um de seus grandes trabalhos.

Demonstrando extrema confiança na trama que tinha em mãos, Welles começa A dama de Shangai com uma narração em off em estado melancólico, que já avisa ao expectador que suas decisões, desde o primeiro olhar no parque, foram equivocadas. Entregar o que de certa forma é o resultado do plot principal do filme não demonstra apenas segurança, mas também um domínio estratégico excepcional, por deixar o erro iminente, criando uma atmosfera única de suspense que aos poucos se restringe, e sufoca.

Além de uma trama complexa, que flerta perfeitamente com o suspense e com o amor platónico, essa obra-prima detém um trabalho de fotografia maravilhoso, ficando em destaque as cenas noturnas, onde é dado os grandes destaques ao longo da história - e a famosa cena final, apesar de não ser noturna, encaixa-se nessa categoria, por ser filmada em local fechado. A direção de Welles adquire por vezes toques expressionistas, que se evidenciam por exemplo, numa das primeiras cenas do filme onde, a luz é frenética mas estabiliza-se à medida que Michael e Elsa se aproximam, ou como a mesma luz sempre parece perseguir (estar na) a donzela.

A dama de Shangai é uma obra-prima poderosa, que investindo-se na mente do protagonista, interpretado pelo próprio diretor, discursa sobre paixões, ganância, sociedade, índivíduo e sensualidade, sem nunca deixar de lado a típica estética noir, que funciona no filme não como uma limitação, mas como um incentivo,um adorno. Um trabalho de extrema importância física e referencial, do diretor mais louco e provavelmente genial que a old hollywood já viu.

terça-feira, 17 de março de 2009

Vicky Cristina Barcelona


VICKY CRISTINA BARCELONA, Woody Allen

Vicky Cristina Barcelona não é um filme sobre o amor, mas sim um filme que busca interpretar, amoldar e discorrer sobre o conceito desse sentimento. Algo que começou a ser trabalhado por Woody Allen em 1977, quando ele lançou sua melhor obra, Annie Hall. Neste, o foco é diferente, mas em alguns momentos, os caminhos se cruzam, isso porque ambos os filmes tratam sobre a fugacidade das relações amorosas.

Amor é definido como a inclinação da alma e do coração, mas cada pessoa tem uma idéia diferente. Para Cristina (Scarlett Johansson), o amor deve necessariamente estar ligado à paixão, ao forte desejo. Cristina é entusiasta, gosta de experimentar e tem talento para fotografia. Sua amiga Vicky (Rebecca Hall), por outro lado, pensa que o amor é compromisso e sacrifício. Pensa que você não ama realmente uma pessoa se não é disposta a deixar alguns ímpetos em prol de sua companhia. Visões que são, portanto, antagônicas, mas que entraram em choque quando as duas são atraídas pelo mesmo homem: Juan Antonio (Javier Bardem).

Constata-se que ao indicar uma paixão de personalidades tão distintas por uma mesma pessoa, ao terminar e começar relacionamentos que são mais estranhos do que se espera e, acima de tudo, ao contextualisar toda a história durante apenas três meses de férias de verão, que Woody Allen discorre sobre o quão misterioso, imoldável e indefínivel o amor pode ser. O filme pode ser definido então, como uma melancólica e sensata declaração inferioridade, onde o diretor aceita a limitação do intelecto do ser humano, já que este falha em compreender aquele que é o sentimento mais tremendo que ele conhece.

quinta-feira, 5 de março de 2009

Balando do mês - fevereiro 2009

fevereiro 2009

03.02 – 11. Queime depois de ler (Burn after reading, Joel e Ethan Coen, 2008) – 5/5
04.02 – 12. Luzes na escuridão (Laitakaupungin valot, Aki Kaurismäki, 2006) – 4/5
04.02 – 13.
As amizades particulares (Les amitiés particulières, Jean Delannoy, 1964) – 4,5/5
05.02 – 14. Maldito coração (Heart is deceitful above all things, Asia Argento, 2004) – 3.5/5
05.02 – 15.
O ciclo do pavor (Operazione paura, Mario Bava, 1966) – 5/5
08.02 – 16. Barfly – condenados pelo vício (Barfly, Barbet Schroeder, 1987) – 4,5/5
09.02 – 17. Vicky Cristina Barcelona (idem, Woody Allen, 2008) – 5/5
10.02 – 18. O sonho de Cassandra (Cassandra’s dream, Woody Allen, 2008) – 4,5/5

11.02 – 19. Lisa e o diabo (Lisa e il diavolo, Mario Bava, 1973) – 5/5
12.02 – 20.
A outra (Another woman, Woody Allen, 1988) – 5/5
13.02 – 21.
Interiores (Interiors, Woody Allen, 1978) – 5/5
13.02
– 22. O pásaro com plumas de cristal (L’uccello dalle piume di cristallo, Dario Argento, 1970) – 4/5
16.02 – 23. Quatro vezes naquela noite (Quante volte... quella notte, Mario Bava, 1972) – 4/5
16.0224.
Hannah e suas irmãs (Hannah and her sisters, Woody Allen, 1986) – 5/5
17.02 – 25.
As três máscaras do horror (Il tri volti della paura, Mario Bava, 1963) – 4,5/5
18.02 – 26.
O dorminhoco (The sleeper, Woody Allen, 1973) – 3,5/5
25.0227. My best friend’s birthday (idem, Quentin Tarantino, 1987) – 3/5
26.02 – 28.
Memórias (Stardust memories, Woody Allen, 1980) – 5/5
26.02 – 29. Schock (idem, Mario Bava, 1977) – 5/5
27.02 – 30. Assalto ao trem blindado (Quel maledetto treno blindato, Enzo G. Castellari, 1978) – 4/5
27.02 – 31. Na natureza selvagem (Into the wild, Sean Penn, 2007) – 4,5/5
28.02 – 32. Trágica obsessão (Obsession, Brian De Palma, 1976) – 4/5
28.02 – 33. A marca do assassino (Kuroshi no rakuin, Seijun Suzuki, 1967) – 4,5/5

quarta-feira, 4 de março de 2009

Top10 geral



01. Embriagado de amor (Punch-drunk love, Paul Thomas Anderson, 2002)
02. Pulp fiction - tempos de violência (Pulp fiction, Quentin Tarantino, 1994)
03. Três homens em conflito (The good, the bad and the ugly, Sergio Leone, 1966)
04. Suspiria (idem, Dario Argento, 1977)
05. O demônio das onze horas (Pierrot le fou, Jean-Luc Godard, 1965)
06. O iluminado (The shining, Stanley Kubrick, 1980)
07. Noivo neurótico, noiva nervosa (Annie Hall, Woody Allen, 1977)
08. Um tiro na noite (Blow out, Brian De Palma, 1981)
09. Ariel (idem, Aki Kaurismäki, 1988)
10. Paranoid park (idem, Gus Van Sant, 2007)