sábado, 9 de fevereiro de 2008

Happiness, de Todd Solondz



Felicidade (Happiness, Todd Solondz, 1998) - 5/5


É um tema universal, a felicidade, é da conta de qualquer um. Mas é magnífico ao ver esse tema ser tratado de forma tão doentia por esse diretor que, ao que parece, se especializou em fazer críticas bem afiadas ao universo da classe média americana (e, let's face it, consequentimente à classe média de qualquer país). Durante uma passagem maravilhosa do filme, a personagem Joy - nome altamente sugestivo cof cof - canta "happiness where are you? I've searched so long for you", derramando tristeza, a poucos minutos depois, após uma trepada com seu aluno russo, a garota é seu nome em espírito, e isso é sugestivo demais. Com isso, Solondz pretende apontar que para nós, a felicidade não vai de dentro para fora e sim de fora para dentro. A felicidade, hipocritamente nada mais é do que uma boa trepada, que satisfaz o nosso ego, encaixando-nos no padrão de boa vida que a sociedade impôs às pessoas. Fato que é confirmado pela temática do filme aliada a seu nome: sexo; felicidade. A trama é sobre hannah e suas irmãs uma família de classe média tipicamente americana e que no momento está passando por uma fase conturbada em suas vidas.
Os pais vão se separar após décacas de matrim}onio. Eles estão velhos e a mulher não quer aceitar o rompimento, surpreendentemente não por ainda amar o marido, provavelmente ela não ame, mas sim (como o expectador descobriria alguns mnutos mais tarde) por medo de viver o resto da vida sozinha. A mulher diz "Eu não me incomodo de você ter encontrado outra mulher, só gostaria que você tivesse feito isso há vinte anos atrás!", e a frase denuncia o que o diretor e roteirista acredita estar na conciência dos americanos: um sentimento de egoísmo sem precendentes (e em certos excertos de Redacted do Brian fuckingde Palma é mostrado como esse sentimento se comporta durante a guerra, por exemplo). O marido, por sua vez se nega a dizer a verdade diante da mulher, já que realmente ele havia se cansado do casamento e encontrou uma outra mulher. Ora, o que temos aqui é um casamento infiel, falso e egoísta de um casal que está no topo da árvore genealógica do filme e que pode ter passado todas essas características pros demais personagens que se interligariam mais tarde.
Trish é a típica housewive realizada, tem três filhos e um casamento aparentemente feliz, mas essa não se pode esperar que seu marido Bill tenha essa mesma idéia. Psicólogo mas incapaz de solucionar os problemas dos outros por causa de seus próprios demônios pessoais, Bill é um dos personagens mais ousados que já vi em um longa, sai do trabalho e se satisfaz com imagens de um garoto em uma revista infantil, propõe ao filho coisas no mínimo inapropriadas e finalmente o pior, fode um amigo do filho. Homosexual e pedófilo, ele tem vontade de mudar, até tenta confessar o seu distúrbio à mulher, mas não consegue porque além de ser óbviamente uma coisa difícil de se fazer, Bill agora está gostando do rumo que sua vida está levando, afinal, em seus sonhos psicóticos mais recentes houve uma alteração: ele não se mata no final. Colocar um personagem tão doente em meio a uma trama que parecia tão correta nas minhas suposições de início me confundiu, mas agora penso em uma vertenda bastante interessante. Ora, se o personagem mais doentio do filme é com excessão do casal de velhos o único pai de família da história, pode-se entender que todo o seu caráter sexualmente alteradoserá repassado à próxima geração, e é exatamente por esse caminho que o filme segue. Os doutrinamentos que o pai dá ao filho Billy sobre como se comportar no início de sua vida sexual (que ainda está naquela fase um) sugerem que Billy levará consigo o fardo que o pai tem carregado.
Joy é a irmã não realizada da família. Enquanto Trish é bem sucedida (supostamente) na vida familiar e Chloe (próximo parágrafo) tem uma carreira profissional de sucesso, Joy não possui nenhuma das duas realizações e busca desesperadamente uma vida mais digna, tanto que chega a transformar em verso sua tristeza ("happiness where are you? i've searched so long for you"). Joy, por ser solitária, alienou o conceito de felicidade e contentando-se com pouco, chegouu a pensar em certo momento do filme que ela, a felicidade, está diretamente relacionada com uma boa vida sexual. Errou ao pensar que havia alcançado seu objetivo sob a forma de um 'ex-ladrão' russo que passou apenas uma noite com ela. A verdade bateu na cara de Joy com violência e ela finalmente percebeu que uma vida feliz não seria tão simples de se encontrar e serviu como ferramenta que Solondz usa para decifrar esse paradgma social de que o sexo é o que mais importa, algo que começa a ser semeado na vida das pessoas desde a pré-adolescência. O fruto dessa semente é a própria Joy, fracassada, seja qual for o ponto de vista.
Finalmente Chloe é o argumento sobre a tese que acabei de falar. Ela é bem sucedida profissionalmente e tem uma vida sexual ativa, sempre saindo com homens bonitos e desejados, mas sente que algo está faltando em sua vida e é claro, é a felicidade. Mas tragicamente, Chloe não entende o que falta, não compreende do que exatamente precisa para alcançá-la e busca por algo que ela ainda não sabe o que é. Sou tentado então a acreditar que a felicida foi para a vida da Chloe sob a forma grandiosa (hehe) de Phillip Seymour Hoffman, no papel de Allen, um vizinho com pensamentos sadomasoquistas porém psicológicamente destruido o bastante para não ser capaz de realizar nenhuma de suas fantasias. No momento sublime em que os dois se encontram, ao som de uma ópera que me remete à esperança, Chloe rejeita a novidade, porque Allen 'não faz o seu tipo' e descarta aquele homem de sua vida entregando-o à Joy. Rejeita alguém que não é segundo o padrão de beleza ameri, fuck, universal bonito e escolhe por manter a máscara que usa para camuflar o fracasso de sua vida pessoal.

Terminando, no começo do filme Joy rompeu o namoro com Andy e este, revoltado pelo ocorrido amaldiçoa a vida da garota: "until the day you die, you, not me, will always be shit", a todo tipo de merda realmente acontece com Joy. Mas essa cena memorável não abre o filme por acaso, serve de prévia para tudo o que estaria por vir nas próximas duas horas e também dá apoio a um exercício interativo: não é demais pensar que a maldição de Andy ultrapasse a tela e entre na vida de cada um que pensa o mesmo que Joy sobre o ex-namorado ("you think I don't understand fashion? You think I'm not hip? You think I'm pathetic? A nerd? A lard-ass fat-so? You think I'm shit?"). E por último, como a cena final parece sugerir, a jornada em busca da felicidade verdadeira é em vão. O velho pai de família, agora separado, em uma reunião familiar joga sal (leia-se veneno para o seu corpo) em sua própria comida, como se quisesse desesperadamente ficar livre daquele sufoco, acentuado com toda certeza por aquele encontro de família, uma crítica ácida e certeira de Solondz a esses momentos, desconfortáveis no mínimo, para muitas pessoas. Ao fim de tudo, com a ironia que permeia toda a metragem, o filme termina como começou: o pequeno Billy tem a sua primeira ereção e começa ali, naqueles poucos segundos, todo o tipo de problema em sua vida, agora que ele não é mais uma criança inocente mas um adulto em formação; 'eu gozei', ele declara o silêncio que sussede essa declaração é trágico, apesar dos nossos risos, como se a gente já soubesse que o que estava por vir era miséria mesmo. Ponto.

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